Olá. Se você está lendo isso, notou que o gap de datas entre o primeiro post desse site e esse atual é grande. Desculpe, eu andei muito ocupado, andei muito preocupado também. Mas estou feliz em pensar que isso vai mudar a partir de agora. E que aqui (e não só aqui) vai ser a casa que almejei construir muito em breve. Nas histórias de terror e lendas urbanas é muito comum o tema de assuntos inacabados. Fantasmas tem assuntos inacabados, vampiros e outras criaturas às vezes também. Os fantasmas sentem tanta dor de seus assuntos inacabados que são incapazes de ter seu descanso eterno, e isso muitas vezes os leva a insanidade. Quando jovem eu ignorava o subtexto incluindo nessa alegoria, mas hoje seu peso é inegável. Eu quero muito falar disso, pois é um assunto que vem me seguindo a anos e que ao tentar lidar frente a frente com ele, me põe em uma luta constante. Meu pai costuma dizer que pessoas nascem com dons. O que eu particularmente nunca acreditei. Vi diversas vezes que o que colocamos como dom é só um nível de dedicação e interesse sendo diretamente refletido em algo físico, e isso é algo incrível, até a ansiedade derrubar esse pilar. Em dado momento da minha vida conforme eu crescia, as pessoas acompanhavam cada vez mais as regras ditadas pelo mundo. Algumas coisas importantes se transformaram em fúteis na mesma medida que coisas fúteis viraram a base social em que todos viviam. Eu nunca estive preparado para isso, eu não conseguia adaptar meu jeito de ser pra o jeito de ser idealizado. Honestamente ainda é uma grande dificuldade que me levou a questionar conceitos previamente sólidos, como dons e/ou características inatas. Em dado momento eu comecei a perceber que não tinha o traquejo social ou habilidade que eu gostaria, e que o esforço não necessariamente se refletia em habilidade prática. Minha conclusão lógica para um garoto de 11 anos era que boas habilidades de comunicação eram um dom, pois eram assim que muitos adultos a tratavam, e isso me desestabilizou muito. Partindo então da suposição que dons existem, eu tentei me focar no que eu era acima da média como minha característica principal. Não tinha no entanto nenhuma intenção de valorizar o melhor em mim e sim esquecer o que eu não tinha de bom, e com sorte o resto das pessoas também. Você pode não concordar com a linha de pensamento que eu cheguei pra agir assim, mas certamente seu cérebro chegou nessa linha de pensamento em determinado momento da sua vida. Eu digo isso porque depois de pensar profundamente sobre minhas expectativas comigo mesmo, eu percebi algo interessante. Na busca impossível pela "perfeição" nós quase sempre destruímos nosso potencial em qualquer coisa por culpa da desistência. Se criou um conceito social, principalmente por culpa do cinema norte americano que é: Quem faz algo é bom naquilo e quem arrisca algo tem que ser bom naquilo quase imediatamente. Não é incomum no cinema você ver um personagem que não acredita em si finalmente precisando fazer algo e todos descobrindo que na verdade ele tinha uma habilidade oculta que nem ele sabia que tinha, como ser o melhor dançarino ou cantor, um matemático brilhante ou sei lá. Isso é cruel, no imaginário social as pessoas tentam algo pra imediatamente agregar sua habilidade ao mundo, de outro jeito não tem valor. E as pessoas que sentem que não tem toda essa habilidade? E as pessoas que tem habilidades que não são consideradas de mais valia para sociedade moderna? Geralmente se suprimem num mar de vergonha. Eu sempre deixei as coisas inacabadas por causa do medo e da vergonha, e elas voltam pra me atormentar como acontece com os fantasmas. Eu sempre gostei de criar, e é possível achar evidências disso em toda minha vida, incluindo na internet. Fácil. Sempre existe a prova de que eu escrevi, desenhei ou até programei algo. O que não é fácil no entanto, é achar algo que eu terminei, por que disso? Eu não sabia, não sabia e isso me entristecia. Algo vinha em mim toda vez que eu criava algo que fazia eu achar achar que não está bom. Provavelmente não estava em vários quesitos, mas esse não é o ponto. Quando se começa a acreditar na mentira do dom você se vê preso na teia do medíocre. De repente você se vê inútil em vários aspectos que outras pessoas parecem se dar bem naturalmente. Eu não escrevo bem? Eu não sou inteligente como achava que era? Não sou bom com relacionamentos como os outros? Não sei ganhar/perder peso nem melhorar num esporte? A solução mental criada pela ansiedade é sempre a síndrome do impostor, de que não consigo porque sou uma falha. De que as pessoas estão sempre demonstrando crescimento e sucesso onde você falha e/ou fica estagnado. O que acontece é que nós derrubamos tudo que nos representa em detrimento do que não alcançamos. O pico da grandeza, tanto faz qual grandeza, desde que seja o pináculo se torna uma meta frustrante e cheia de desistências. É melhor fingir que nunca tentou do que descobrir que não merece o topo. Lembro como foi frustrante pra mim quando finalmente entrei na universidade. Eu sabia que ia ser difícil mas ao chegar lá eu vi gente que me supera com margens astronômicas no que eu costumo considerar como inteligência. Pessoas que não sentiam dificuldade nenhuma em matérias na qual eu virava a noite estudando e passava por cálculos com o mesmo esforço de um maratonista. Eu que apesar de todas as falhas sempre pensei que "pelo menos sou inteligente, que é uma característica útil" me vi jogado muito abaixo de pessoas que pra mim eram verdadeiramente inteligentes. Eu sempre pensei nas exceções á regra, pessoas fenomenalmente fora da curva com potencial pra mudar mesmo a ciência, acontece que eu não era superado só por essas exceções, e eu me senti burro. Eu fiquei nesse espiral muito tempo, e eu sinto que em alguns momentos ele quase acabou comigo. Quase quebrou meu espírito pra todo sempre. O que mudou então? O que fez eu acreditar que não sou uma falha e superar a falácia dos dons? Acredito que foi esse estado que atingiu um nível de entropia. Certa noite eu estava pensando sobre a filosofia do memento mori. Não era nada de especial só uma lembrança que me ocorreu de alguém a muito tempo comentando sobre existir ou não semelhanças entre memento mori e carpe diem. Me aprofundando no pensamento do memento mori eu refleti bastante sobre a fragilidade da vida, sua raridade e que como apesar de tudo era bom estar vivo pra experienciar tudo que me agradou, acho que esse pensamento foi a chave. Tudo e todos que já amei talvez sejam a única âncora que permite que eu ainda me lembre que eu sou eu. Nós vivemos pensando em deixar nossa marca no mundo, em contribuir gratificantemente pra algo x ou y ou pra ser sempre visto. A verdade é que não devemos nada ao mundo, nem somos importantes pra deixar qualquer marca nele. Não me entenda mal eu entendo e dou valor a pessoas que dedicam sua vida a mudar o mundo, mas a verdade é que se você quer só ser lembrado e não realmente fazer algo por sentir que deve fazer, se você não descobrir a cura pro câncer ou um novo elemento hoje, ninguém vai te conhecer em 600 anos. Não importa quem você foi agora e mesmo que a humanidade também resista a prova do tempo, não vão lembrar realmente de VOCÊ. Não é preciso ir muito longe, afinal você sabe quem inventou o primeiro antibiótico? Provavelmente sim, você viu ele na escola, mas você sabe quem ele realmente era? O que ele amava? Defendia? O que ele pensava todo fim de tarde quando via o sol se pôr? Todas essas experiências morreram com ele. Você só deve a vida a experienciar a própria vida. Eu vou ser realista com você que tirou um tempo pra ler isso. Eu AINDA não solucionei bem isso, mas sei de algo, os truques da sua mente escondem o real valor de você. A realidade é que fomos criados em uma estrutura social que abomina a mediocridade, ensinados a buscar sempre a perfeição em todos os quesitos possíveis e ignorar/abominar o que está "fora de alcance". Ignoramos que todos somos medíocres, mas não é isso que nos molda como pessoas? Ao me negar a insistir em algo por não demonstrar evolução eu me nego o direito de crescer como pessoa, me nego a falhar e isso é a única coisa que realmente me impede de crescer. Para mim foi preciso muita força pra perceber isso, de dar valor ao que fiz. Eu sou burro? Dúvido muito, eu sou capaz de ter pensamento crítico, usar ferramentas do meu conhecimento para criar algo novo e sou capaz de refletir os aspectos científicos, sociais e políticos da minha própria criação. Não fazer contas rápido ou com altos indices de precisão em sistemas avaliativos não me torna burro, me torna alguém que não teve a mesma oportunidade de pessoas que estão lá depois de terem frequentado boas escolas particulares. Não ser bom em algum esporte? Na escrita? No amor? Eu não estou desistindo por conta de algo não ser pra mim, eu estava desistindo por covardia. Porque doer a prazo e com juros compostos é menos custoso a primeira vista que processar a dor finalizar ela de uma vez. Talvez eu jamais consiga atingir o ser humano que eu quero ser, mas sou muito mais do que a criança que fui sonhava em conseguir. Talvez o que eu produza não esteja entre os grandes, nem entre os pequenos, talvez o que eu faça cresça a passos de tartaruga, mas não fazemos algo pelo amor que temos em nós para nós? Eu quero manter esse site para que o amor que eu tenho por tudo que fiz se reflita em uma mensagem pra outras pessoas, e que um registro do que sou possa ir a elas. Eu quero continuar escrevendo pra homenagear tudo que sou e tudo que é importante de algum modo, e eu decidi que não vou deixar isso de lado, não vou desistir. Há três anos eu comecei um livro que até mês passado estava parado. Há algum tempo eu o recomecei e desde lá tive muitas críticas boas e ruins dos leitores beta que consegui. Mas independente de como vai ficando conforme cresce, eu vou até o fim. Dessa vez por mim. Porque é uma criação humana. E algo assim é de valor inestimável. Você nunca vai estar a par das expectativas de quem não te vê como um ser humano igual, não use a régua dos outros. São facas. Mesmo que você possa alcançar o que os outros querem na métrica que querem, eles não darão a mínima. Poxa... Por uma ideia em palavras sem uma história ou algo do gênero por trás é realmente difícil. Acho que entendo porque os filósofos modernos se agarram tanto às regras da matemática pra suas ideias. Os lendários axiomas. Memento Mori, memento amoris Baki